Por
Jefferson Rodrigues[1]
“Independência
ou morte”! Este parece ser o grito que marca o processo de independência política
do Brasil. Imortalizado pelas reproduções constantes nos livros didáticos e pela
repetição continua nos discursos de professores do ensino básico no Brasil,
esta frase deixa explícito uma falsa idéia de que fomos “civilizados” o
bastante para nos emanciparmos da tutela portuguesa sem que houvesse uma gota
de sangue derramada nas terras do Brasil. Ledo engano!
Em
7 de setembro de 1822, enquanto D. Pedro I seguia pelo interior do sudeste em
uma viagem de “apaziguamento” dos ânimos políticos entre os colonos de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, o então príncipe regente recebe uma
mensagem urgente de seu conselheiro, José Bonifácio, e da princesa Leopoldina,
sua esposa. Nesta mensagem estavam expostas as novas determinações das Cortes
de Lisboa, entre elas a destituição de D. Pedro I da função de príncipe regente,
rebaixando-o a condição de mero delegado das autoridades de Lisboa. Diante
desta ameaça, José Bonifácio aconselha: “Senhor, o dado está lançado e de
Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”[2]. O
Príncipe regente se vê obrigado a tomar decisões rápidas, pois de um lado vê-se
afligido pelas ameaças da Corte de Lisboa, do outro brasileiros que decidiram
não mais voltar à condição colonial e muito menos ver restabelecidos os privilégios
advindos do famigerado “Pacto Colonial”.
Assim
as margens do Riacho do Ipiranga, localizado a cerca de 60 Km da cidade de São
Paulo, D. Pedro I proferiu a seguinte
frase: “É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!”[3] ,
conforme conta o Alferes Canto e Melo, integrante da comitiva que acompanhava o
herdeiro do trono português. Poderíamos concluir afirmando: foi um final feliz.
É realmente poderíamos, mas em história não é bem assim! Este foi o quadro que
de maneira geral está pintado na memória coletiva do brasileiro, e que serviu,
nas palavras dos historiadores Erick Hobsbawn e Terence Ranger (1984), para
inventar uma tradição de independência, afinal, “muitas vezes, ‘tradições’ que
parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são
inventadas”[4]. Muita água teria que
passar embaixo da ponte da independência, neste caso, muito sangue seria derramado
para que se consolidasse a tão propagada independência do Brasil.
Muitos
conflitos ocorreram nos meses que seguiram o 7 de setembro de 1822. Tivemos
lutas nos mais distantes rincões do Brasil, mas especialmente no Norte do país (Piauí,
Maranhão e Pará), pois estas províncias a “mão” de Lisboa parecia acalentar com
“maior afago” do que a da corte no Rio de Janeiro. Entre estas províncias do
Norte, estava uma quase esquecida, que para o historiador piauiense Odilon
Nunes (2007, p.51-62), sempre foi uma “terra de passagem”, desde os povos
pré-colombianos, perpassando por todo o período que antecede a efetivação
administrativa da Capitânia do Piauí em 1758 com o governador João Pereiras
Caldas e ainda em grande parte do período imperial.
Entre
as elites provinciais do Piauí parecia reinar o desejo por manter-se unido a
Portugal, porém as notícias da independência já ecoavam por esta região,
especialmente em Parnaíba (Litoral piauiense), Oeiras (então capital) e Campo
Maior. Devido a importância estratégica da província, desde 1820 a Coroa
portuguesa enviava munições para o Piauí e destinava um maior grau de
preocupação para esta região. Tal cuidado torna-se ainda mais evidente quando
em 18 de agosto de 1821 chega a capital da província um dos mais condecorados
heróis militares portugueses, era o então major João José da Cunha Fidié. Ele exerceria
o cargo de Governador das Armas do Piauí, responsável por manter a ordem e
unidade provincial, ao tempo em que a sua presença seria uma excelente
estratégia para conter possíveis revoltas no Norte do país. Estas atitudes
mostram que a Coroa portuguesa já vislumbrava no horizonte nuvens densas que
poderiam pairar sobre a colônia do Brasil. Parecia que tais previsões não
seriam tão vagas assim!
Após
o grito de independência ser dado no Sul, já em 19 de outubro de 1822 na cidade
de Parnaíba, “no Paço da Câmara, os eleitores da Paróquia proclamaram a Regência
de Dom Pedro, a Independência do Brasil e sua união com Portugal e as futuras
cortes constituintes do Brasil”[5], assim
descreve o historiador piauiense Monsenhor Chaves, a primeira adesão ao
movimento pelos piauienses. É claro que este movimento, liderado por militares
e intelectuais como Cel. Simplicio Dias e Silva e o juiz João Candido de Deus e
Silva, não ficaria imune as investidas de Portugal. A estas alturas o
sentimento de independência havia chegado até a cidade de Campo Maior (localizada
a cerca 260 km de Parnaíba) e por lá já havia as primeiras movimentações no
sentido de adesão a emancipação. Porém, a vila mantinha-se fiel ao governo português
sendo inclusive responsável por delatar ao Major Fidié a carta que haviam
recebido de Parnaíba informando a adesão e convidando a câmara de Campo Maior a
também aderir a causa de D. Pedro I.
Em
posse dessas informações Fidié reuniu tropas, compostas por cerca de 1.800
soldados treinados[6]. Todos estes militares
marcham em direção a cidade rebelada e segundo Monsenhor Chaves (1998) “o comandante
português levava a intenção de fazer Campo Maior o centro das operações contra
a rebelde Parnaíba”[7]. As tropas seguem de
Oeiras no dia 13 de novembro de 1822 e em sua bagagem levam munições, pólvoras,
canhões, cavalos e todo material disponível na província capaz de dominar física
e psicologicamente todos os moradores das “terras Mafrense”. Em compensação
deixavam para trás uma capital sem proteção e que entre seus ilustres
habitantes já eclodia o desejo de liberdade. Entre eles estavam
fazendeiros/militares ansiosos em galgar postos mais elevados na administração
da província, como era o caso do Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, que nas
palavras de Monsenhor Chaves (1998, p. 437) teria traçado uma carreira meteórica
e estava ávido por novas conquistas. Diante
de conspirações e ameaças de invasão de tropas fiéis a D. Pedro I, em 24 de
janeiro de 1823, enquanto as tropas de Fidié ainda encontravam-se em Parnaíba,
mantendo a “paz” na Vila, Manuel de Sousa Martins em companhia de homens fiéis
à suas ideias tomam posse da administração e aderem ao movimento de emancipação
do Brasil.
Em
18 de dezembro de 1822, chegam a Parnaíba as tropas comandadas pelo Major
Fidié. Na vila localizada a 660 km de Oeiras já não havia mais movimentação
emancipacionista, pois sob ameaças das tropas Portuguesas, os primeiros
revoltosos fugiram para o Ceará por saber do grande perigo que circundava a
cidade. Contudo, não fugiram por covardia, antes por estratégia que se
mostraria eficaz nos meses seguintes. Enquanto Fidié controlava a Vila, a câmara
daquela localidade viu-se obrigada a jurar fidelidade ao governo português. No
entanto, com a informação do levante em Oeiras (em 24 de janeiro de 1823),
Fidié, decide então retornar a capital e tentar debelar o movimento “rebelde”.
Diante de tanta movimentação, entra em cena o capitão Luís Rodrigues Chaves que convocou os piauienses, mais de
mil, a que se juntaram 500 cearenses, uns e outros mal armados de
foices, espadas, chucos, facões e velhas espingardas de caça. Fidié
desconhecia o número das forças inimigas, entretanto não ignorava que
tinha de enfrentar matutos sem disciplina nem instruções militar, mas
dispostos a morrer pela causa da Independência. Outro nome valente que deve ser lembrado neste luta é do piauiense Leonardo de Carvalho Castelo
Branco, que anteriormente havia fugido para o Ceará. Agora comandando uma
Divisão militar, rumou em direção a vila de Piracuruca e posteriormente seguiu
para Campo Maior, com a intenção de render a guarnição fiel a Portugal e
decretar adesão total do Piauí ao
movimento do Ipiranga.
É neste
contexto onde as tropas de Fidié seguem em direção a Oeiras ( Sul do Piauí) e as do capitão Luis Rodrigues Chaves - formadas por piauienses e cearenses - permanece no “meio do caminho”, ou seja, na
cidade de Campo Maior (centro-Norte do Piauí) que acontecerá a maior batalha em
prol da independência do Piauí, as margens do riacho do Jenipapo em Campo
Maior. Para a professora Claudete Dias (2011) “a batalha foi o resultado de
embates entre o poder português e a população sertaneja Piauiense, que se uniu
a Cearenses e Maranhenses a fim de expulsar do Piauí o major João José da Cunha
Fidié , comandante das Armas e governador da capitania”[8].
Assim, teria inicio um combate que marcaria a história do Brasil e
especialmente do Piauí, pois aos 13 dias do mês de março de 1823 estas duas
tropas se encontram e travam uma memorável Batalha.
Não podemos
esquecer as condições desleais em que se encontravam as tropas Cearense e Piauiense,
mas especialmente estes últimos que seguiram para a Batalha da seguinte forma,
conforme apresenta o historiador Abdias Neves: “As poucas espingardas tinham
sido distribuídas aos cearenses. Os piauienses, estes conduziam velhas espadas,
chuços, machados, foices”[9].
Para completar este quadro complexo, do lado português estavam homens treinados
e preparados para o embate, do lado brasileiro estavam apenas poucos soldados e
a grande maioria sertanejos sem treinamento militar, mas munidos de um heróico fervor
em defender suas terras e a idéia de nação independente do jugo que as Cortes
queriam novamente impor sobre o Brasil.
Foi uma
Batalha sangrenta! Para historiadores como Odilon Nunes (2007, p. 64-65) e
Monsenhor Chaves (1998, p.309) esta batalha durou das nove horas da manhã até às
quatorze horas, onde camponeses desprovidos de armas de fogo, mas municiados de
muita coragem lutaram até que não houvesse mais forças em seus corpos. Ao final
o previsível aconteceu: os portugueses venceram! É isso mesmo, perdemos a
batalha, mas a guerra estava prestes a ser vencida! As tropas piauienses
tiveram cerca de quinhentos presos e sendo estimados em duzentos ou mais mortos e
feridos. Para Fidié as baixas de efetivo foram reduzidas, não ultrapassando
sessenta o numero de feridos e cerda de vinte militares mortos. Surge a
interrogação: onde esta a importância desta Batalha?
A maior
vantagem desta batalha está nas conseqüências do combate. Ao termino da luta o
campo de batalha estava repleto de armas e munições abandonadas pelos
portugueses. Através de guerrilhas os piauienses seguiram as tropas de Fidié
nos dias que seguiram e subtraíram armas, pólvora, dinheiro, munições, enfim,
deixando o acampamento dos portugueses dilacerado, sem condições de continuar
sua marcha em direção a capital piauiense, Oeiras. Desta forma, Fidié, fugiu
para o Maranhão, para a cidade de Caxias. Em solo maranhense os piauienses
teriam sua glória, pois “o Maranhão foi literalmente invadido, e após 15 dias
de um audacioso cerco à cidade de Caxias pelas forças independentes de
aproximadamente 6.000 homens do Piauí, do Maranhão e do Ceará, ocorreu o
combate no Morro das Tabocas, com a rendição do Major Fidié, faminto e
desarmado. Preso, foi enviado para o Rio de Janeiro e depois para Portugal,
onde foi recebido como herói”[10].
Tudo começou
com heróicos sertanejos, audaciosos piauienses que não levando em conta sua
condição militar limitada ou até mesmo inexistente, doaram suas forças,
energias e vida em prol da causa da Independência do Brasil. Precisamos
reconhecer a importância histórica do 13 de março de 1823, pois esta foi a data
que consolidou no Norte do Brasil a Independência, gerando unidade à nação
brasileira tão almejada pelos “pais” da independência do Sudeste do Brasil. Por
esta razão os piauienses destacam a importância desse evento com um memorial na
Cidade de Campo Maior e com exibição da data 13 de março em sua bandeira
estadual.
[1]
Graduado em História e especialista em Estado, Movimentos Sociais e Cultura
pela Universidade Estadual do Piauí.
[2]
BONIFÁCIO apud GOMES, 2010, p.35
[3]
CANTO e MELO apud GOMES, 2010, p. 37
[4]
HOBSBAWN; RANGER, 1984, p. 9
[5]
CHAVES, 1998, p.271
[6]
Conforme apresenta a professora Claudete Maria Miranda Dias em seu artigo,
Entre foices e facões, 2011, disponível em: < http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-foices-e-facoes>,
acesso em 12 de março de 2013.
[7]
CHAVES, 1998, p.273
[8]DIAS,
2011, disponível em: < http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-foices-e-facoes>,
acesso em 12 de março de 2013.
[9]
NEVES apud CHAVES, 1998, p. 308
[10]
DIAS, 2011, disponível em: < http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-foices-e-facoes>,
acesso em 12 de março de 2013.
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