Estava na empreitada monográfica da UESPI, no ofício de historiador, fazendo as leituras pertinentes a meu objeto de estudo, o humor, quando deparei-me com um texto que tocava num assunto que jamais ouvira falar ou pensar, o riso na Bíblia.
Foi na obra “Uma história cultural do humor” (Record, 2000, 300 p.), onde o historiador francês Jacques Le Goff traz um artigo bem interessante intitulado “O riso na Idade Média”.
Em suas pesquisas Le Goff deparou-se com idéias que lhe chamaram a atenção, como a obra “Literatura européia e a Idade Média”, de Curtius, a qual fazia referência ao fato de que, sobretudo em círculos eclesiásticos, do começo do cristianismo ao fim da Idade Média, as pessoas perguntavam se Jesus alguma vez rira em sua vida terrena.
Le Goff aponta que ao mesmo tempo, outra idéia circulava por toda a Idade Média, a tese de Aristóteles que diz que o riso é um traço distintivo do homem, o homem cuja característica mais marcante é o riso.
O interessante, que Le Goff aponta, é que em torno do riso, criou-se um caloroso debate, pois se Jesus, o grande modelo para a humanidade não tenha rido uma vez sequer em sua vida humana, então o riso se torna estranho ao homem, pelo menos a um homem cristão. Contudo o historiador não encontrou nenhuma heresia do riso nas visões dos autores eclesiásticos.
Se buscarmos uma visão bíblica, não encontraremos nenhuma referencia direta do tipo “Jesus riu” ou “Jesus sorriu”, como encontramos “Jesus chorou” (Jo 11.35), mas podemos inferir a partir da verificação de sua vida (ele foi 100% homem e 100% Deus) onde chorou, teve fome (Lc 4.2), maravilhou-se (Mt 8.10), enfim, como ser humano tinha as características de homem, partilhava das mesmas sensações corporais, assim é normal que também tenha se alegrado, e também rido.
Outro ponto que nos chama atenção na pesquisa de Le Goff, se refere a existência de tipos de riso, o autor diz
Parece-me que a distinção básica do Velho Testamento continuou a ter peso por longo período, mas em formas novas e renovadas, a saber, a separação entre dois tipos de riso bem diferentes, para os quais o hebraico possui duas palavras bem distintas. A primeira é Sâkhaq, o “riso feliz, desenfreado”, e a outra é lâag, “riso zombeteiro, maligno”. (p.76).
Segundo Le Goff, a primeira palavra deu nome a Isaac (Isaque) que significa “riso”. Assim vemos que o nome de Isaque, filho de Abraão e Sara, denota riso feliz, mas que na história antes de seu nascimento, vê-se um exemplo do riso zombeteiro. O relato bíblico, em Gênesis 17 e 18, nos mostra que Deus anuncia a Abraão que ele seria pai, aos 100 anos de idade e sara aos 90.
Sara, que estava atrás da tenda, ouvia essa conversa, e ao saber que teria um filho na velhice riu da situação (Gn 18. 9-16) e depois quando inquirida de porque riu, negou que houvesse rido, mas logo foi repreendida por mentir.
Uma das referencias bíblicas mais interessantes em relação ao riso feliz, encontra-se no livro dos Salmos, o de número 126. Nele o salmista louva a Deus, pelo livramento do povo que estava cativo, assim
Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. Então a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua de cânticos. Então se dizia entre as nações: grandes coisas fez o Senhor a estes. Grandes coisas fez o senhor por nós, e, por isso, estamos alegres. Os que semeiam em lágrimas segarão som alegria. (Salmos 126. 1, 2, 3, 5).
Humor e riso é uma questão por demais instigante, como cristãos parece-nos mais útil praticá-lo com decência e certo cuidado, pois as pessoas não são iguais, muitas se irritam facilmente por simples brincadeiras, outras são “bobos da corte em pessoa” tirando “sarro” até de si mesmas sem constrangimento algum.
O certo é que sem humor a vida parece chata, monótona, e uma boa risada ajuda não só a quebrar “climas de gelo”, promovendo entrosamento entre as pessoas, mas também contribui para amenizar os percalços de cada dia.
autor: Gleison Gomes