Por Marcelo Lemos
Lene*, graça e paz;
Espero que a primeira carta tenha lhe sido instrutiva, e
mais que isso, que tenha recebido acolhida em sua alma. Pois nem sempre o
alimento intelectual fortalece igualmente o espírito. A linha que divide uma
coisa da outra só é transposta quando o Espírito sopra; o que Ele só faz onde e
quando quer (S. João 3.8). Na outra carta procurei lhe mostrar que apenas a
Escritura é fonte infalível para toda a Verdade, doutrina que denominamos Sola
Scriptura.
Meu tema hoje é o ‘Sola Fide’, que significa que o
homem é salvo exclusivamente através da fé.
Se olharmos a nossa volta, veremos que a Humanidade
tem buscado muitos caminhos para chegar a Deus, e salvar-se. Caminhos que são,
sem exceção, baseados nos méritos e não na Graça de Deus. Antes de Lutero, na
Igreja Medieval, a ideia da salvação também na Igreja de Cristo estava
carregada com boa dose se meritocracia. Em outras palavras, se o crente
desejava ser salvo, deveria fazer por merecer essa salvação. Poderia,
inclusive, tentar compra-la... Lene, isso não difere muito da mentalidade da
maioria dos Evangélicos que eu conheço, incluindo provavelmente você. Acho que
não minto se disser já lhe ter ouvido questionar se já fez o bastante para ser
salva...
A Igreja Medieval ensinava uma salvação em
conta-gotas, que era adquirida passo a passo, através de um longo caminho
sacramental. Caminho que, na maioria das vezes, é interrompido pela Morte, e o
cristão ainda impuro precisa de uma temporada no Purgatório. Na Igreja
Evangélica atual – em sua maior parte – a situação é ainda pior. Faço questão
de repetir: a Igreja Evangélica de hoje ensina algo pior, e mais terrível, pois
o cristão evangélico não dispõe do benefício do Purgatório: se morrer impuro,
estará eternamente perdido.
A incrível semelhança entre a doutrina de Roma e a
doutrina “evangélica” atual, reside no fato de boa parte do nosso povo não
compreender o Sola Fide. Nossa gente se diz Evangélica, quando nunca o foi.
Como as Igrejas atuais podem estender a bandeira Evangelical, se ensinam os
homens a olharem para si mesmos, suas obras e méritos, ao invés de olharem
exclusivamente para Cristo? Como pode ser Evangélico, alguém que pretende pagar
por sua salvação, quando a mesma é um dom gratuito de Deus (Romanos 6.23)? Como
alguém se pretende herdeiro da Reforma, de Lutero e Calvino, e de todos os
mártires do Livro de Fox, se perdem a salvação a cada espirro ou tosse?
Essa é a imagem de Deus na mente de nossos
"evangélicos" hoje!
Temo estar exagerando, e gostaria de estar. Mas vou
contar alguns episódios que vivenciei. Já vi uma profetisa ensinar que no céu
há uma grande gaveta onde os anjos guardam os cabelos que as “irmãs” cortam. No
último dia, dizia a “varoa de Deus”, terão de dar contas ao Senhor pelo
pecado, e ficarão de fora do Reino. Já ouvi um pregador, um ou dois dias depois
de um Enterro, dizer à Igreja enlutada que ninguém podia ficar comemorando a
salvação do morto, já que, dizia ele: “Quem pode garantir alguma coisa?”.
Lembro que nesse dia peguei o microfone para pregar, e improvisei um sermão
baseado no ensino apostólico de I Tes. 4: 13,18: “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos
que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não tem
esperança (...) Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras!”. Lembro que naquela noite meu coração foi invadido
por uma necessidade desesperada de defender a simplicidade do Evangelho!
Então, naquela noite, a Igreja “veio a baixo”, e
como dizem os pentecostais, “o fogo caiu” sobre a Congregação de 150 pessoas.
Lembro-me de pessoas me segurando no corredor para agradecerem, e diziam jamais
ter ouvido o Evangelho daquela forma tão simples e bela. Mas, lembro que, pouco
tempo depois, alguns de meus alunos da EBD e do Seminário, quase me fizeram
sofrer um processo eclesiástico. Fui acusado de ensinar que o cristão pode
pecar à vontade, já que nada pode nos separar do amor de Cristo. Acusação na
qual incluíram, inclusive, minha esposa. Nossa família estava querendo “mudar a
doutrina da Assembleia de Deus”. Compreendi que o legalismo estava tão
arraigado naquelas almas, que o frescor da Graça de Deus soprando em seus
ouvidos, adquiria o rumor de uma blasfêmia...
Lene, como alguém pode ser salvo? Por mais incrível
que pareça, a lista “oculta” de nossas Igrejas é muito longa. As pessoas
precisam ser assíduas frequentadoras, dizimistas e ofertantes; precisam usar a
roupa neste ou naquele estilo, escutar esta ou aquela musica, e assim por
diante. Em alguns casos, a lista inclui não andar de bicicleta, não usar
desodorante, não mascar chicletes, não tomar cerveja ou fumar. Conheci uma
senhora que confessou a minha esposa e eu só permitir que o esposo a tocasse através
de um lençol furado... Quando penso nisso, lembro-me do modo sábio como Charles
Spurgeon, ministro batista conhecido como “Príncipe dos Pregadores”, abordou o
tema. Ele escreveu escandalizado:
“Descubro que muitos
pregadores estão pregando essa classe de doutrina. Eles dizem ao pobre pecador:
“Você precisa ir para a casa orar, ler as Escrituras, assistir aos cultos,
etc”. Obras, obras, obras, ao invés de: “Por graças sois salvos, por meio da
fé!”.
Eu diria isto ao pecador: “Creia
no nome do Senhor Jesus Cristo!”. Jamais diria a ninguém, [que tem dúvida da
sua salvação], que ore ou que leia as Escrituras, ou que assista ao
Templo. Eu lhe apresentaria a fé, a fé simples no Evangelho de Deus.
Eu não menosprezo a oração; isso
deve vir depois da fé. Jamais direi uma única palavra contra o estudo das
Escrituras; este é um sinal infalível de ser um filho de Deus. Não que tenha
objeções contra ir ao templo para se ouvir a Palavra de Deus; que Deus não me
permita tal coisa! Alegro-me vendo as pessoas no templo! Porém,
nenhuma destas coisas é o caminho da salvação. Em parte alguma está escrito: “O
que assiste ao culto será salvo!”, ou “O que lê a Bíblia será salvo!”. Não li
em qualquer lugar: “O que ora e é batizado será salvo!”; mas sim: “Aquele
que crer...” – o que tem uma fé sincera no ‘Homem Cristo Jesus’; em sua
divindade e em sua humilhação, está livre do pecado” [Charles H. Spurgeon,
trecho do sermão ‘Pregar o Evangelho’, de 1855]
Lene, esta é a doutrina evangélica: somos salvos
mediante a fé, e não mediante nossas boas obras. Devemos praticar boas obras?
Claro que sim. As boas obras são como uma laranja que nasce numa laranjeira, um
processo natural. As boas obras não produzem um cristão, mas um cristão pratica
as boas obras. Em outras palavras, o crente não pratica boas obras para ganhar
a salvação, mas sim, porque sendo salvo, sente prazer em cumprir a vontade do
Senhor.
Enquanto insistimos em olhar para nós mesmos a
procura de algo que nos faça merecedores da Salvação, permanecemos pedidos. Que
há de bom em nós? Que podemos fazer para que Cristo nos ame? Qual de nossas
obras é boa o bastante para pagar por todos os nossos pecados. Os meus pecados,
Lene, são de um número incalculável! Que posso fazer para ser salvo? Que posso
fazer a fim de evitar o Fogo Eterno, recompensa que certamente mereço?
A doutrina evangélica do Sola Fide nos diz, então:
este pecador desesperado deve parar de olhar para si mesmo; depois de ter
contemplado toda sua podridão e nulidade espiritual, deve buscar socorro no
Cristo Crucificado! J. I. Paker, bispo
anglicano, escreveu: “A fé é um reconhecimento consciente de nossa própria injustiça e
impiedade, e com essa terrível realidade em mente olhar para Cristo como sendo
nossa Justiça, segurando-o em nossas mãos como se agarra a uma joia!”. Salvação pela fé, Lene, é
aquele mesmo sentimento que acometeu o profeta quando, ciente de sua
pecaminosidade, e do terrível Juízo de Deus, contemplou aquele que é Puro: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou um homem de lábios
impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o
Rei, o SENHOR dos Exércitos” (Isaías 6.5).
“Somos reputados justos perante Deus, somente pelo
mérito do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, pela Fé, e não por nossos
próprios merecimentos e obras. Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de
consolação a de que somos justificados somente pela Fé...” [Os 39 Artigos da Religião,
Igreja da Inglaterra, Artigo XI].
Lene, quando a convicção de pecado bater tão
desesperadamente a sua porta, e você já não encontrar um único milímetro de
bondade em sua própria alma, e então voltar os seus olhos para o Cristo
Crucificado, dizendo: “Tendes piedade de mim”; terás então descoberto o que
significa viver exclusivamente pela fé.
Terás descoberto, também, o coração da fé
Evangélica.
Minha
oração hoje é que o Espírito Santo fale ao seu coração, e que em minha próxima
carta, possa encontrá-la ansiosa por mais uma porção do maná celestial.
* Lene; nome fictício a fim de não expor a imagem de minha amiga sem seu consentimento.
* Lene; nome fictício a fim de não expor a imagem de minha amiga sem seu consentimento.
Fonte: Rev. Marcelo Lemos - direto do blog olharreformado.com
Não tenho palavras para comentar o que acabo de lêr! Incrível é pouco... Estou simplesmente maravilhada de como este texto tocou fundo em meu coração. Só tenho a agradescer a Deus que colocou estas pessoas em minha vida,que me trouxeram tão esclarecedoras palavras que traduzem com tamanha desenvoltura o que eu já pensava a uns 15 anos atrás quando me afastei da Igreja! Repito: me afastei da Igreja, mas nunca de nosso Deus! Posso afirmar sem medo de errar que Deus é e sempre foi meu amigo mais íntimo... Nunca concordei com essa idéia de termos que fazer boas ações para sermos salvos. A bondade surge no coração daquele que ama e têm fé em Deus! Não suportava comentarios maldosos de pessoas insanas quando por algum motivo (que Deus com certeza sabia) eu precisava me ausentar dos trabalhos da igreja. Não suportava a carga em meus ombros de ter que me comportar como se eu fisesse parte de um outro planeta só porque era "crente" da Assembléia de Deus! Tenho Deus na minha vida e no meu coração e sou muito feliz porque sei que ele me ouvi sempre que preciso lhe dizer que errei, ou lhe agradescer por algo.Sei que ele está comigo sempre!!!
ResponderExcluirObrigado Senhor por ter colocado na minha vida amigos como o Jefferson, pela tua graça te peço: o abençõe sempre!
Samia Maranhão, é uma imensa satisfação tê-la em nosso blog, especialmente por se tratar de uma grande amiga de universidade! Minha cara amiga, este texto reproduz a essencia do Evangelho de Cristo, onde a salvação é derramada através da fé para todos aqueles que nEle Crer (Efésios 2.8,9). Saiba de uma coisa, não somos salvos pelas boas obras, contudo, necessitamos de tê-las como sinal exterior de nossa fé (Tiago 2.17,18). Portanto, todos que se dizem salvos em Jesus devem externar esta salvação através de ações que denotem sua fé e decisão de ser fiel a nosso Senhor Jesus Cristo! Assim, espero sempre contar com a sua participação em nosso espaço.
ExcluirEm Cristo, Jefferson Rodrigues
Desculpem eventuais erros ortográficos: comentário publicado sem revisão!
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