1.
Uma questão
que intriga a muitos estudantes da Bíblia é a expressão profética usada por João
Batista: “[...]ele vos batizará com o Espírito
Santo, e com fogo. (Mt 3:11b)”. Esta profecia é relatada em dois dos três evangelhos sinópticos,
Mateus e Lucas. A primeira parte da afirmação é de entendimento quase unanime
entre pesquisadores, ou seja, Jesus batizou com Espírito Santo no Dia de
Pentecoste. A divergência ocorre principalmente sobre a natureza deste batismo,
se regenerativo ou um revestimento de poder posterior a salvação, conforme já
discutimos anteriormente. Todavia, a celeuma de maior envergadura acontece em
torno da expressão “com Espírito e com fogo”(cf. Mt 3.11; Lc 3.16). A
partir deste ponto as opiniões são divergentes entre teólogos, sejam eles
pentecostais ou de outras correntes teológicas. A principal objeção nesta
questão refere-se ao tipo de fogo que João se referia. Por acaso esse fogo é do
Espírito ou Fogo do Juízo? Ou ainda: Seriam dois batismos, sendo um com
Espírito para os fieis e outro com fogo para os infiéis? Por fim, será que o
texto não faz alusão a um único batismo, como o descrito no dia de Pentecostes
(At 2.4)?
Batismo com fogo
Passemos a
analisar o contexto em que a profecia é dita, considerando Mateus 3.11 que diz:
“E eu, em verdade, vos batizo com água, para o
arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas
alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com
fogo”(Mt 3.11). Ao observar o contexto da citação, vemos que João encontrava-se no rio
Jordão, cumprindo sua missão de preparar o caminho para o Messias (Mt 3.3). Ao
que tudo indica muitas daquelas pessoas acreditavam que o Batista era o próprio
Messias que viria libertar Israel (Mt 3.5,11), por essa razão João enfatiza que
não era o “Esperado”, mas que ele, o Messias, seria exponencialmente superior
ao profeta do Jordão. Para dar maior ênfase em sua fala João faz uma comparação
de sua inferioridade. Em primeiro lugar destaca que o Messias seria mais
poderoso que ele, e que não serviria nem mesmo para ser um serviçal que
amarraria as sandálias do Cristo. Quanto ao poder do Messias, é feito um paralelo
entre o batismo de João e o que Ele traria. Ao invés do Ungido de Israel batizar
com água, ele imergiria o povo no Espírito Santo e com fogo. Ora, se o batizado
com água era simbolicamente purificado pela água, assim também o batizado com
fogo seria refinado e purificado pelo fogo, ou pelo menos estariam
infinitamente mais sensíveis à ação do Espírito que conduz o homem ao
arrependimento (Jo 16.8). João fazia o seu ouvinte compreender que o Batismo
trazido por Jesus aperfeiçoaria os que seriam imersos na dimensão do Espírito e
que seria uma demonstração visível da ação de Deus no meio do povo.
Não
seria a primeira vez que o fogo seria sinal da presença do Altíssimo entre a
nação de Israel, e é provável que João falasse sabendo que seus ouvintes compreenderiam
esta ligação. Afinal, durante a libertação de Israel da escravidão egípcia Deus
falou pessoalmente com Moisés através do fogo em uma sarça ardente (Ex 3.2) e guiou
o povo pelo deserto através de uma coluna de fogo (Ex 13.22) que os direcionava
durante a noite. Sem dúvidas, o papel do Messias incluía trazer libertação para
Israel (Lc 4.18) e assim como foi com Moisés, o fogo mostraria o poder de Deus
diante do povo. Não é atoa que a durante o Pentecostes os sinais visíveis da
presença de Deus foram o vento e o fogo, mostrando que a ação libertadora de
Cristo estava completa através da chegada do Espírito Santo.
Assim,
entendemos que tal batismo é uma alusão direta a ação do Espírito Santo que foi
manifesta em Atos 2, no dia de Pentecostes. Nossa afirmação se baseia na
perspectiva que uma exegese desprovida de preconceito fara do texto, pois
conforme nos diz o Dr. Russel N. Champlin, em seu comentário do NT: “a
interpretação mais aceita é de que o fogo do v.11 indica o caráter do batismo
do Espírito. Talvez o modo em que ele veio (no Pentecostes) tenha sido como
vento, dotado de poder, força, como se fora um fogo impelido pelo vento; e
quanto aos seus feitos seria isso a purificação do povo de Deus (na qualidade
do fogo produziria a purificação) e transmissão de poder (usando a força do
fogo)[...][1]”.
Ralph Earle, comentarista bíblico, corrobora com esta posição ao citar o
entendimento do erudito Henry Alford, autor do Greek Testament Commentary(
Comentário do Novo testamento Grego), quando afirma que o batismo com fogo foi
cumprido no Pentecostes, assim nos diz o comentarista: “isso foi literalmente
cumprido no dia de Pentecoste[2]”.
Ele ainda amplia o entendimento quanto ao caráter deste fogo: “está claro que
[...] não é nada além do caráter de fogo da operação do espírito sobre a alma –
procurar, consumir, refinar, sublimar – como quase todos os bons interpretes
entendem essas Palavras[3]”.
Igualmente, as palavras do erudito pentecostal José Gonçalves são deverás
pertinente a este debate, quando diz: “a hermenêutica pentecostal destaca que
esse é o entendimento que deve manter acerca dos eventos do Jordão, [...] entende
que as palavras do batista, quando se referiu ao ‘batismo de fogo’ estão
intimamente ligas as ‘línguas de fogo’ do Cenáculo (At 2.1-4)[4]” .
Assim, quando a Bíblia faz referencia ao fogo deve-se
ponderar que nem sempre implica em um julgamento, no Antigo Testamento, por
exemplo, muitas vezes o fogo vem como uma sanção da manifestação profética, tendo
com isto um caráter positivo (Jr 5.14; 23.29); e ainda o fogo aparece sendo associado
com o Espírito Santo (Jz 15.14). Consolidando o entendimento de que nem sempre o
fogo está ligado ao juízo Divino, é válido observar o que nos diz Stanley M.
Horton:
[...]
em vista de sua ocorrência durante a festa de Pentecostes, o fogo significou a
aceitação da parte de Deus do corpo da Igreja, por exemplo, o templo do
Espirito Santo (1 Co 3.16; Ef 2.21,22) e, então, a aceitação dos crentes
individualmente como sendo também templos do Espirito Santo (1 Co 6.19). Ele
focaliza a atenção em incidentes do Antigo Testamento onde o fogo desceu sobre
o altar, por exemplo, com Abraão, e na dedicação tanto do tabernáculo quanto do
templo de Salomão[5].
Assim, quando observamos o contexto da afirmação de
João Batista entendemos que ele trata sobre o caráter refinador do Espírito.
Com isto não dizemos que batismo com o Espírito Santo produza santidade instantânea
e completa (doutrina da perfeição cristã). O que afirmamos é que a imersão no
Espírito tornará o cristão mais sensível aos apelos do Espírito e, portanto, o
levará a viver uma vida que agrade cada dia mais ao Senhor, afinal é o Espírito
que convence o homem de sua situação deplorável (Jo.8) e o faz mudar a rota em
direção a Cristo. Portanto, é desta forma, que compreendemos a refinação do
fogo do Espírito na vida do cristão.
O
fogo do Juízo Messiânico
A despeito de todo o exposto acima, devemos
salientar que não rejeitamos o sentido de juízo proposto no versículo 12 que
afirma: “Em sua mão tem a pá,
e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha
com fogo que nunca se apagará”(Mt 3.12). É por ligar o versículo
11 a este que muitos intérpretes deduzem que João refere-se ao batismo com fogo
para juízo. Não negamos que este versículo refere-se a um juízo, contudo,
entendemos que se trata de juízo escatológico,
é a algo vindouro. Percebam que dentro do contexto da superioridade messiânica João
destaca que ele, o Ungido de Israel, traria um batismo superior ao seu; e
aponta que para aqueles que não se arrependeram com sua pregação, a vinda do
Messias revelaria a realidade de um juízo final. Nesta perspectiva é importante
lembrarmos que Jesus será aquele que
julgará a humanidade (Jo 5.22; Ap 20.11) e que o final de todos os impenitentes
será no lago de fogo que não se apaga (Ap 20.15).
Passemos a analisar as principais expressões deste
versículo. “Em sua mão tem pá”, Jesus será quem separará aqueles que serão
lançados no lago de fogo e os que entrarão na vida Eterna (1 Jo 5.12). O Dr. Champlin
complementa essa ideia ao afirmar: “a pá é o símbolo do ministério Jesus; foram
o ministério e a mensagem que efetuaram a separação, trazendo salvação ou juízo[6]”. “Recolherá
no celeiro seu trigo”, os salvos tem a garantia de lugar de delícias na
presença do Pai Celestial (Ap 21.3,4) e estes são comparados ao trigo pelo próprio
Cristo (Mt 13.38), porém, os infiéis são comparados ao joio, uma forma infrutífera
de gramínea (semelhante a palha). “Queimará a palha com fogo que nunca se
apaga”¸ aqui vemos que este fogo é diferente do citado no versículo anterior
(Mt 3.11); ele aparece como fogo de juízo, tendo em vista sua conexão clara ao
fogo eterno, citado no livro das Revelações. Segundo o Apocalipse de João o destino
dos infiéis será o Lago de fogo, vejamos: “E aquele que não foi
achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”(Ap 20.15). Jesus também referiu-se a
este lugar como um local onde fogo nunca apaga, sendo identificado como inferno
(Mc 9.43). Portanto, entendemos que João se refere neste ponto ao caráter de
julgamento que o Messias teria, porém, de acordo com uma analise geral das
Escrituras este juízo assume uma perspectiva escatológica.
Considerações finais
Concluímos
esta analise reafirmando que em Mateus 3.11, João Batista destacou que o ministério
de Jesus seria superior ao seu em todos os aspectos, principalmente pelo poder
que o Redentor de Israel apresentaria. Jesus viria a batizar o povo com o
Espírito Santo e com fogo, sendo que este fogo aqui citado era a manifestação visível
da presença do Deus Eterno no meio do povo (Ex 3.2; At 2.4). Todavia, não rejeitamos
o entendimento exposto no versículo seguinte (Mt 3.12), onde aponta para um juízo
dos impenitentes. Porém, acreditamos que esta afirmação é escatológica, pois
desta forma encaixa-se com várias outras descrições do papel de juiz exercido
por Jesus no Novo Testamento. É valido lembrar que enquanto este futuro escatológico
não chega, a Bíblia apresenta Jesus como nosso advogado e não Juiz (1 Jo 2.1),
porém, na consumação do século, o Senhor será visto como o juiz de todos (Jo
5.22; 2 Co 5.10; Ap 20.11). Assim, quando este juízo for estabelecido, os infiéis
serão lançados no “fogo que não se apaga” (Mc 9.43; Ap 20.15).
Por
fim, temos a consciência que não esgotamos a questão em torno deste texto,
porém, esperamos ter lançado luz na interpretação destas profecias e
acreditamos que pudemos esclarecer algumas dificuldades para aqueles que buscam
compreender de forma mais ampla os textos Sagrados.
Em Cristo, Jefferson Rodrigues
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ARRINGTON, French L;
STRONSTAD, Roger (Ed).Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. 4 ed. Rio
de Janeiro: CPAD, 2006.
CHAMPLIN, Russel N. Comentário bíblico do Novo Testamento: versículo
por versículo. Volume 1. São Paulo: Hagnos. 2014.
HORTON, Stanley M. A Doutrina do Espírito Santo: no Antigo e Novo Testamento. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1993.
________________. Teologia
Sistemática: uma
perspectiva pentecostal. 12º edição, Rio de Janeiro, Casa Publicadora das
Assembléias de Deus- CPAD, 2010.
GONÇALVES,
José. Batismo com Espírito Santo e com
fogo. Disponível em:< http://pastorjosegoncalves.blogspot.com.br/2016/06/batismo-com-o-espirito-santo-e-com-fogo.html
> acesso em 27 de setembro de 2016 as 19h43min.
PALMA, Anthony D. O Batismo no
Espírito Santo e com Fogo. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2011
SHELTON,
James B. Mateus. Em: ARRINGTON, French L; STRONSTAD, Roger (Ed).Comentário
Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006
[1]
CHAMPLIN, 2014, p. 283
[2]
EARLE, Ralph. Evangelho segundo Mateus.
In: Comentário Bíblico Becon, 2015, pp.42-43, VL. VI, NT.
[3]
Idem, idem
[4] GONÇALVES, José. Batismo
com Espírito Santo e com fogo. Disponível em: <http://pastorjosegoncalves.blogspot.com.br/2016/06/batismo-com-o-espirito-santo-e-com-fogo.html
> acesso em 27 de setembro de 2016 as 19h43min.
[5]
HORTON citado por STRONSTAD, 2011, p.61
[6]
CHAMPLIN, 2014, p. 284, VL 1 NT