Por Jefferson Rodrigues
Se
você já parou para observar a bandeira do Estado do Piauí verá que nela há uma
inscrição, abaixo da estrela solitária, que data 13 de março de 1823. Não seria correto então inferir que tal data
se refere a um evento tão marcante para história do Piauí que mereceria receber
o título de DIA DO PIAUÍ? De fato, o evento histórico ocorrido no dia 13 de
março de 1823 é um divisor d’aguas na história do Piauí, falamos sobre a
honrosa batalha do Jenipapo. Porém, este fato não é oficialmente a data escolhida
para ser o Dia do Piauí. A data oficial é dia 19 de outubro de 1822. Mas qual o
motivo para celebrar esta data? Será que todos os historiadores concordam com
ela? Seria ela a mais honrosa? A seguir explicaremos alguns fatos históricos
relevantes sobre esta data.
1822 o ano de mudanças políticas
no Brasil.
Era
dia 09 de janeiro de 1822, o príncipe regente deveria tomar uma decisão
crucial: ficar no Brasil e dar continuidade ao projeto de seu Pai D. João VI ou
retornar para Portugal e ser mais submisso (junto com seu pai, D. João VI) as
decisões da Corte de Lisboa. Pressionado por um abaixo assinado, coordenado por
José Bonifácio e contendo 8 mil assinaturas, o príncipe regente desobedece as
ordens das Cortes de Lisboa, que exigiam seu retorno à Portugal, e permanece no
Brasil. Entre os objetivos variados das Cortes de Lusitanas, constava retirar
os privilégios adquiridos pelo Brasil durante os 13 anos em que a Corte Real
esteve no Brasil, favorecendo o seu progresso e reduzindo a dependência direta
de Portugal. Era desejo de que o pacto colonial fosse revalidado, junto com
todas as suas mazelas para o Brasil. Contudo, D. João VI já havia instruído seu
filho a permanecer no Brasil e assim, garantir que a dinastia Bragança Bourbon
estivesse controlando os dois reinos, afinal, sabia o velho monarca que “ou
façamos nós a independência ou os brasileiros farão”.
D.
Pedro I permanece no Brasil, porém, a pressão portuguesa para o seu retorno era
ininterrupta. Eram incansáveis as comunicações que exigiam o retorno do Príncipe
Pedro à Lisboa. Segundo o relato de
Laurentino Gomes (2010, p.34), em 28 de agosto de 1822 chegam ao Porto do Rio
de Janeiro três embarcações carregadas de más noticias para as pretensões de independência
do Brasil. Entres as diversas ações proposta pelas Cortes portuguesas podemos
dizer que “na prática destituíam D. Pedro do papel de príncipe regente e o reduziam
à condição de mero delegado das autoridades de Lisboa[1]”.
Ainda anulariam as decisões tomadas por Pedro, reduziriam sua autoridade ao Rio
de Janeiro e vizinhanças, além de determinar que todos os seus ministros fossem
selecionados por Lisboa. Enfim, acabaria com toda autonomia do Brasil e do príncipe
regente.
O
príncipe regente estava em viagem entre Minas e São Paulo quando notícias
chegaram do Rio de Janeiro. Eram noticias que inquietavam, pois tropas
portuguesas se dirigiam para sufocar qualquer oposição existente no Brasil. Já
na Colina do Ipiranga – a cerca de 60 km da Vila de São Paulo, destino final de
Pedro - o Príncipe recebe as correspondências onde seu mentor, José Bonifácio,
o aconselha a tomar uma posição de pronto em relação à Portugal e afirma: “Venha
vossa Alteza o quanto antes, e decida-se, porque irresoluções e medida de agua
morna [...] para nada servem, e um momento perdido é uma desgraça[2]”.
Neste mesmo tom de pressa, vemos a intelectual princesa Leopoldina, esposa de
D. Pedro, aconselha-lo: “Senhor, o pomo esta maduro, colhe-o já[3]”!
O cenário estava posto, e em 7 de setembro de 1822, o príncipe regente declara
a autonomia politica do Brasil em relação a Portugal, com as seguintes
palavras: “Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil para
sempre, separado de Portugal[4].
Contudo,
a consolidação da independência não seria tão simples, especialmente quando temos
em vista um país continental como o Brasil. Some a isso o fato de que muitas províncias tinham
o sentimento de pertencer mais a Portugal do que ao Rio de Janeiro, como era o
caso da província do Piauí. Estes e outros fatores gerariam diversas celeumas
que dificultariam a unidade nacional, como veremos a seguir.
O Piauí adere ao grito
do Ipiranga
Muitos conflitos ocorreram nos meses que seguiram o 7 de setembro de
1822. Tivemos lutas nos mais distantes rincões do Brasil, mas especialmente no
Norte do país (Piauí, Maranhão e Pará), pois nestas províncias a “mão” de
Lisboa parecia acalentar com “maior afago” do que a da corte no Rio de Janeiro.
Entre estas províncias do Norte, estava uma quase esquecida, que para o
historiador piauiense Odilon Nunes (2007, p.51-62), sempre foi uma “terra de
passagem”, desde os povos pré-colombianos, perpassando por todo o período que
antecede a efetivação administrativa da Capitânia do Piauí em 1758 com o
governador João Pereiras Caldas e ainda em grande parte do período imperial.
Entre as elites provinciais do Piauí parecia reinar o desejo por
manter-se unido a Portugal, porém as notícias da independência já ecoavam por
esta região, especialmente em Parnaíba (Litoral piauiense), Oeiras (então
capital) e Campo Maior. Devido a importância estratégica da província, desde
1820 a Coroa portuguesa enviava munições para o Piauí e destinava um maior grau
de preocupação para esta região. Tal cuidado torna-se ainda mais evidente
quando em 18 de agosto de 1821 chega a capital da província um dos mais
condecorados heróis militares portugueses, era o então major João José da Cunha
Fidié. Ele exerceria o cargo de Governador das Armas do Piauí, responsável por
manter a ordem e unidade provincial, ao tempo em que a sua presença seria uma
excelente estratégia para conter possíveis revoltas no Norte do país. Estas
atitudes mostram que a Coroa portuguesa já vislumbrava no horizonte nuvens
densas que poderiam pairar sobre a colônia do Brasil. Parecia que tais
previsões não seriam tão vagas assim!
Após o grito de
independência ser dado no Sul, já em 19 de outubro de 1822 na cidade de
Parnaíba, “no Paço da Câmara, os eleitores da Paróquia proclamaram a Regência
de Dom Pedro, a Independência do Brasil e sua união com Portugal e as futuras
cortes constituintes do Brasil[5]”,
assim descreve o historiador piauiense Monsenhor Chaves, a primeira adesão ao
movimento pelos piauienses. É claro que este movimento, liderado por militares
e intelectuais como Cel. Simplicio Dias e Silva e o juiz João Candido de Deus e
Silva, não ficaria imune às investidas de Portugal. A estas alturas o
sentimento de independência havia chegado até a cidade de Campo Maior
(localizada a cerca 260 km de Parnaíba) e por lá já havia as primeiras
movimentações no sentido de adesão a emancipação. Porém, a vila mantinha-se
fiel ao governo português sendo inclusive responsável por delatar ao Major
Fidié a carta que haviam recebido de Parnaíba informando a adesão e convidando
a câmara de Campo Maior a também aderir a causa de D. Pedro I.
Em posse dessas informações Fidié reuniu tropas, compostas por cerca de
1.800 soldados treinados[6]. Todos estes militares
marcham em direção a cidade rebelada e segundo Monsenhor Chaves (1998) “o
comandante português levava a intenção de fazer Campo Maior o centro das
operações contra a rebelde Parnaíba[7]”. As tropas seguem de
Oeiras no dia 13 de novembro de 1822 e em sua bagagem levam munições, pólvoras,
canhões, cavalos e todo material disponível na província capaz de dominar
física e psicologicamente todos os moradores das “terras Mafrense”. Em
compensação deixavam para trás uma capital sem proteção e que entre seus
ilustres habitantes já eclodia o desejo de liberdade. Entre eles estavam
fazendeiros/militares ansiosos em galgar postos mais elevados na administração
da província, como era o caso do Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, que nas
palavras de Monsenhor Chaves (1998, p. 437) teria traçado uma carreira
meteórica e estava ávido por novas conquistas. Diante de conspirações e
ameaças de invasão de tropas fiéis a D. Pedro I, em 24 de janeiro de 1823,
enquanto as tropas de Fidié ainda encontravam-se em Parnaíba, mantendo a “paz”
na Vila, Manuel de Sousa Martins em companhia de homens fiéis à suas ideias
tomam posse da administração e aderem ao movimento de emancipação do Brasil.
Em 18 de dezembro de 1822, chegam a Parnaíba as tropas comandadas pelo
Major Fidié. Na vila localizada a 660 km de Oeiras já não havia mais
movimentação emancipacionista, pois sob ameaça das tropas Portuguesas, os
primeiros revoltosos fugiram para o Ceará por saber do grande perigo que
circundava a cidade. Contudo, não fugiram por covardia, antes por estratégia
que se mostraria eficaz nos meses seguintes, com a Batalha travada nas margens
do riacho Jenipapo na cidade de Campo Maior e que seria o início da debelada
das tropas portuguesas em solo piauiense.
Três importantes datas
e uma escolhida.
Como pudemos observar o Piauí teve uma participação ativa no processo de
consolidação da Independência do Brasil. Elencamos pelo menos três eventos que
marcaram a participação piauiense neste processo: 1. A adesão oficial em Parnaíba
(19/10/1822); 2. A adesão em Oeiras (24/01/1823)
ao movimento emancipacionista; 3. A Sangrenta
e heroica Batalha do Jenipapo (13/03/ 1823). Nestas três datas há motivos de
sobra para comemorarmos o Dia do Piauí - e assim é feito no estado, pois em
todas as datas há folguedos. Contudo, por uma questão cronológica, comemora-se
o dia 19 de outubro como o Dia do Piauí, afinal, foi nesta data onde houve a
primeira aclamação oficial que ligava o Piauí ao Brasil livre.
Entendemos que muito se pode contestar sobre a escolha de uma data,
porém os documentos oficiais não deixam dúvidas quanto a escolha acertada do 19
de outubro. Podemos citar como exemplo a carta enviada pela Câmara de Parnaíba
à Vila de Campo Maior, que visava buscar apoio nesta Vila no nascer da independência.
Este fato ocorre já em 23 de outubro de 1822, e comunicava a escolha feita por
Parnaíba 4 dias antes, assim dizia o documento: “Participamos a V. mercês que
no dia 19 de outubro foram proclamadas nesta Vila a Regência de S. Alteza Real
[D.Pedro I], a independência do
Brasil [...][8]”.
Este documento reforça como a adesão parnaibana foi o estopim desencadeador de
todos os demais eventos históricos que seguiam e destaca que o 19 de outubro
como o primeiro movimento de independência em terras piauiense.
Considerações
finais
A história de independência do Brasil não é apenas um legado de paz
social, antes houve derreamento de sangue, lutas e a participação da nação
neste processo. O Piauí pode se orgulhar por contribuir de forma significativa
e corajosa para a consolidação do Brasil independente. Neste processo a
história elegeu a data de 19 de outubro como o Dia do Piauí. Consideramos justa
a escolha desta data, pois ela foi a primeira adesão oficial, em solo piauiense,
ao movimento libertário brasileiro. Também é através deste evento histórico que
os demais marcos historiográficos se desenvolvem, afinal, se Fidié não tivesse
deixado Oeiras, não seria possível aos rebeldes a tomada da antiga capital
provinciana. É ainda no retorno a esta capital, em 13 de março de 1823 que ocorre
a Batalha do Jenipapo. Portanto, o estopim de todos estes eventos é a adesão da
Câmara de Parnaíba ao Grito do Ipiranga. Assim, entendemos que é justo
celebrarmos em 19 de outubro o Dia do Piauí, dia em que nosso povo se
posicionou em favor da liberdade.
Por fim, encerramos parafraseando o grito que os homens da comitiva de
D. Pedro deram ao ouvi-lo proclamar o Brasil independente: “Viva a Liberdade,
Viva o Brasil Separado, Viva o Piauí!”
Feliz 19 de outubro a todos os piauienses de nascimento ou de coração!
*Jefferson Rodrigues é Graduado em História (UESPI) e Teologia (FAEPI), especialista em Estados, Movimentos sociais e Cultura (UESPI), além de escritor e membro da Academia Evangélica de Letras Piauiense.
[1]
GOMES, 2010, p. 34
[2]José
Bonifácio citado por MONTEIRO, Tobias. A elaboração da Independência, vol. 2,
p.250
[3]Princesa
Leopoldina citado por GOMES, Laurentino. 1822:
como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro
ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado.
2010, p.36
[4] Idem,
idem
[6] Conforme apresenta a
professora Claudete Maria Miranda Dias em seu artigo, Entre foices e facões,
2011, disponível em: < http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-foices-e-facoes>, acesso em 12 de março de 2013
[8]
SANTANA; SANTOS, 2007, p.21 [grifo nosso]
Parabéns pelo belo texto! Simples e deveras explicativo"
ResponderExcluir