segunda-feira, 17 de outubro de 2016

DIA DO PIAUÍ: POR QUE 19 DE OUTUBRO?

Por Jefferson Rodrigues

Se você já parou para observar a bandeira do Estado do Piauí verá que nela há uma inscrição, abaixo da estrela solitária, que data 13 de março de 1823. Não seria correto então inferir que tal data se refere a um evento tão marcante para história do Piauí que mereceria receber o título de DIA DO PIAUÍ? De fato, o evento histórico ocorrido no dia 13 de março de 1823 é um divisor d’aguas na história do Piauí, falamos sobre a honrosa batalha do Jenipapo. Porém, este fato não é oficialmente a data escolhida para ser o Dia do Piauí. A data oficial é dia 19 de outubro de 1822. Mas qual o motivo para celebrar esta data? Será que todos os historiadores concordam com ela? Seria ela a mais honrosa? A seguir explicaremos alguns fatos históricos relevantes sobre esta data.
1822 o ano de mudanças políticas no Brasil.
Era dia 09 de janeiro de 1822, o príncipe regente deveria tomar uma decisão crucial: ficar no Brasil e dar continuidade ao projeto de seu Pai D. João VI ou retornar para Portugal e ser mais submisso (junto com seu pai, D. João VI) as decisões da Corte de Lisboa. Pressionado por um abaixo assinado, coordenado por José Bonifácio e contendo 8 mil assinaturas, o príncipe regente desobedece as ordens das Cortes de Lisboa, que exigiam seu retorno à Portugal, e permanece no Brasil. Entre os objetivos variados das Cortes de Lusitanas, constava retirar os privilégios adquiridos pelo Brasil durante os 13 anos em que a Corte Real esteve no Brasil, favorecendo o seu progresso e reduzindo a dependência direta de Portugal. Era desejo de que o pacto colonial fosse revalidado, junto com todas as suas mazelas para o Brasil. Contudo, D. João VI já havia instruído seu filho a permanecer no Brasil e assim, garantir que a dinastia Bragança Bourbon estivesse controlando os dois reinos, afinal, sabia o velho monarca que “ou façamos nós a independência ou os brasileiros farão”.
D. Pedro I permanece no Brasil, porém, a pressão portuguesa para o seu retorno era ininterrupta. Eram incansáveis as comunicações que exigiam o retorno do Príncipe Pedro à Lisboa.  Segundo o relato de Laurentino Gomes (2010, p.34), em 28 de agosto de 1822 chegam ao Porto do Rio de Janeiro três embarcações carregadas de más noticias para as pretensões de independência do Brasil. Entres as diversas ações proposta pelas Cortes portuguesas podemos dizer que “na prática destituíam D. Pedro do papel de príncipe regente e o reduziam à condição de mero delegado das autoridades de Lisboa[1]”. Ainda anulariam as decisões tomadas por Pedro, reduziriam sua autoridade ao Rio de Janeiro e vizinhanças, além de determinar que todos os seus ministros fossem selecionados por Lisboa. Enfim, acabaria com toda autonomia do Brasil e do príncipe regente.

O príncipe regente estava em viagem entre Minas e São Paulo quando notícias chegaram do Rio de Janeiro. Eram noticias que inquietavam, pois tropas portuguesas se dirigiam para sufocar qualquer oposição existente no Brasil. Já na Colina do Ipiranga – a cerca de 60 km da Vila de São Paulo, destino final de Pedro - o Príncipe recebe as correspondências onde seu mentor, José Bonifácio, o aconselha a tomar uma posição de pronto em relação à Portugal e afirma: “Venha vossa Alteza o quanto antes, e decida-se, porque irresoluções e medida de agua morna [...] para nada servem, e um momento perdido é uma desgraça[2]”. Neste mesmo tom de pressa, vemos a intelectual princesa Leopoldina, esposa de D. Pedro, aconselha-lo: “Senhor, o pomo esta maduro, colhe-o já[3]”! O cenário estava posto, e em 7 de setembro de 1822, o príncipe regente declara a autonomia politica do Brasil em relação a Portugal, com as seguintes palavras: “Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil para sempre, separado de Portugal[4].
Contudo, a consolidação da independência não seria tão simples, especialmente quando temos em vista um país continental como o Brasil.  Some a isso o fato de que muitas províncias tinham o sentimento de pertencer mais a Portugal do que ao Rio de Janeiro, como era o caso da província do Piauí. Estes e outros fatores gerariam diversas celeumas que dificultariam a unidade nacional, como veremos a seguir.
O Piauí adere ao grito do Ipiranga
Muitos conflitos ocorreram nos meses que seguiram o 7 de setembro de 1822. Tivemos lutas nos mais distantes rincões do Brasil, mas especialmente no Norte do país (Piauí, Maranhão e Pará), pois nestas províncias a “mão” de Lisboa parecia acalentar com “maior afago” do que a da corte no Rio de Janeiro. Entre estas províncias do Norte, estava uma quase esquecida, que para o historiador piauiense Odilon Nunes (2007, p.51-62), sempre foi uma “terra de passagem”, desde os povos pré-colombianos, perpassando por todo o período que antecede a efetivação administrativa da Capitânia do Piauí em 1758 com o governador João Pereiras Caldas e ainda em grande parte do período imperial.

Entre as elites provinciais do Piauí parecia reinar o desejo por manter-se unido a Portugal, porém as notícias da independência já ecoavam por esta região, especialmente em Parnaíba (Litoral piauiense), Oeiras (então capital) e Campo Maior. Devido a importância estratégica da província, desde 1820 a Coroa portuguesa enviava munições para o Piauí e destinava um maior grau de preocupação para esta região. Tal cuidado torna-se ainda mais evidente quando em 18 de agosto de 1821 chega a capital da província um dos mais condecorados heróis militares portugueses, era o então major João José da Cunha Fidié. Ele exerceria o cargo de Governador das Armas do Piauí, responsável por manter a ordem e unidade provincial, ao tempo em que a sua presença seria uma excelente estratégia para conter possíveis revoltas no Norte do país. Estas atitudes mostram que a Coroa portuguesa já vislumbrava no horizonte nuvens densas que poderiam pairar sobre a colônia do Brasil. Parecia que tais previsões não seriam tão vagas assim!
Após o grito de independência ser dado no Sul, já em 19 de outubro de 1822 na cidade de Parnaíba, “no Paço da Câmara, os eleitores da Paróquia proclamaram a Regência de Dom Pedro, a Independência do Brasil e sua união com Portugal e as futuras cortes constituintes do Brasil[5]”, assim descreve o historiador piauiense Monsenhor Chaves, a primeira adesão ao movimento pelos piauienses. É claro que este movimento, liderado por militares e intelectuais como Cel. Simplicio Dias e Silva e o juiz João Candido de Deus e Silva, não ficaria imune às investidas de Portugal. A estas alturas o sentimento de independência havia chegado até a cidade de Campo Maior (localizada a cerca 260 km de Parnaíba) e por lá já havia as primeiras movimentações no sentido de adesão a emancipação. Porém, a vila mantinha-se fiel ao governo português sendo inclusive responsável por delatar ao Major Fidié a carta que haviam recebido de Parnaíba informando a adesão e convidando a câmara de Campo Maior a também aderir a causa de D. Pedro I.
Em posse dessas informações Fidié reuniu tropas, compostas por cerca de 1.800 soldados treinados[6]. Todos estes militares marcham em direção a cidade rebelada e segundo Monsenhor Chaves (1998) “o comandante português levava a intenção de fazer Campo Maior o centro das operações contra a rebelde Parnaíba[7]”. As tropas seguem de Oeiras no dia 13 de novembro de 1822 e em sua bagagem levam munições, pólvoras, canhões, cavalos e todo material disponível na província capaz de dominar física e psicologicamente todos os moradores das “terras Mafrense”. Em compensação deixavam para trás uma capital sem proteção e que entre seus ilustres habitantes já eclodia o desejo de liberdade. Entre eles estavam fazendeiros/militares ansiosos em galgar postos mais elevados na administração da província, como era o caso do Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, que nas palavras de Monsenhor Chaves (1998, p. 437) teria traçado uma carreira meteórica e estava ávido por novas conquistas.  Diante de conspirações e ameaças de invasão de tropas fiéis a D. Pedro I, em 24 de janeiro de 1823, enquanto as tropas de Fidié ainda encontravam-se em Parnaíba, mantendo a “paz” na Vila, Manuel de Sousa Martins em companhia de homens fiéis à suas ideias tomam posse da administração e aderem ao movimento de emancipação do Brasil.


Em 18 de dezembro de 1822, chegam a Parnaíba as tropas comandadas pelo Major Fidié. Na vila localizada a 660 km de Oeiras já não havia mais movimentação emancipacionista, pois sob ameaça das tropas Portuguesas, os primeiros revoltosos fugiram para o Ceará por saber do grande perigo que circundava a cidade. Contudo, não fugiram por covardia, antes por estratégia que se mostraria eficaz nos meses seguintes, com a Batalha travada nas margens do riacho Jenipapo na cidade de Campo Maior e que seria o início da debelada das tropas portuguesas em solo piauiense.
Três importantes datas e uma escolhida.
Como pudemos observar o Piauí teve uma participação ativa no processo de consolidação da Independência do Brasil. Elencamos pelo menos três eventos que marcaram a participação piauiense neste processo: 1. A adesão oficial em Parnaíba (19/10/1822); 2.  A adesão em Oeiras (24/01/1823) ao movimento emancipacionista; 3.  A Sangrenta e heroica Batalha do Jenipapo (13/03/ 1823). Nestas três datas há motivos de sobra para comemorarmos o Dia do Piauí - e assim é feito no estado, pois em todas as datas há folguedos. Contudo, por uma questão cronológica, comemora-se o dia 19 de outubro como o Dia do Piauí, afinal, foi nesta data onde houve a primeira aclamação oficial que ligava o Piauí ao Brasil livre.
Entendemos que muito se pode contestar sobre a escolha de uma data, porém os documentos oficiais não deixam dúvidas quanto a escolha acertada do 19 de outubro. Podemos citar como exemplo a carta enviada pela Câmara de Parnaíba à Vila de Campo Maior, que visava buscar apoio nesta Vila no nascer da independência. Este fato ocorre já em 23 de outubro de 1822, e comunicava a escolha feita por Parnaíba 4 dias antes, assim dizia o documento: “Participamos a V. mercês que no dia 19 de outubro foram proclamadas nesta Vila a Regência de S. Alteza Real [D.Pedro I], a independência do Brasil [...][8]”. Este documento reforça como a adesão parnaibana foi o estopim desencadeador de todos os demais eventos históricos que seguiam e destaca que o 19 de outubro como o primeiro movimento de independência em terras piauiense.
Considerações finais
A história de independência do Brasil não é apenas um legado de paz social, antes houve derreamento de sangue, lutas e a participação da nação neste processo. O Piauí pode se orgulhar por contribuir de forma significativa e corajosa para a consolidação do Brasil independente. Neste processo a história elegeu a data de 19 de outubro como o Dia do Piauí. Consideramos justa a escolha desta data, pois ela foi a primeira adesão oficial, em solo piauiense, ao movimento libertário brasileiro. Também é através deste evento histórico que os demais marcos historiográficos se desenvolvem, afinal, se Fidié não tivesse deixado Oeiras, não seria possível aos rebeldes a tomada da antiga capital provinciana. É ainda no retorno a esta capital, em 13 de março de 1823 que ocorre a Batalha do Jenipapo. Portanto, o estopim de todos estes eventos é a adesão da Câmara de Parnaíba ao Grito do Ipiranga. Assim, entendemos que é justo celebrarmos em 19 de outubro o Dia do Piauí, dia em que nosso povo se posicionou em favor da liberdade.
Por fim, encerramos parafraseando o grito que os homens da comitiva de D. Pedro deram ao ouvi-lo proclamar o Brasil independente: “Viva a Liberdade, Viva o Brasil Separado, Viva o Piauí!”
Feliz 19 de outubro a todos os piauienses de nascimento ou de coração!


*Jefferson Rodrigues é Graduado em História (UESPI) e Teologia (FAEPI),  especialista em Estados, Movimentos sociais e Cultura (UESPI), além de escritor e membro da Academia Evangélica de Letras Piauiense.








[1] GOMES, 2010, p. 34
[2]José Bonifácio citado por MONTEIRO, Tobias. A elaboração da Independência, vol. 2, p.250
[3]Princesa Leopoldina citado por GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. 2010, p.36
[4] Idem, idem
[5] CHAVES, 1998, p.271
[6] Conforme apresenta a professora Claudete Maria Miranda Dias em seu artigo, Entre foices e facões, 2011, disponível em: < http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-foices-e-facoes>, acesso em 12 de março de 2013
[7]CHAVES, 1998, p.273
[8] SANTANA; SANTOS, 2007, p.21 [grifo nosso]

Um comentário:

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